Vitor Lourenço esteve no início do Twitter, criou sua própria empresa – com investimentos de mais de 15 milhões de dólares – e hoje integra a Expa, que se define como um estúdio de startups
Por: Filipe Vilicic
No Vale do Silício, o paulista Vitor
Lourenço, de 28 anos, é tido como um exemplar talento do
design. Sua carreira decolou em 2009, quando deixou o Brasil para trabalhar no
Twitter. À época, a hoje famosa rede social de 140 caracteres era apenas uma
startup promissora, não a gigante que se tornou hoje. “Fui o primeiro designer,
contratado em um momento no qual a empresa contava com pouco mais de dez
funcionários”, recorda.
“Quando saí, em 2012, já eram mais de 3 000”. Lourenço
deixou o Twitter com o que chama de “sorte”. “A empresa abriu seu IPO (a oferta pública inicial de ações na
bolsa de valores), consegui ganhar bem com isso, e hoje sinto que
preciso compartilhar essa sorte com outros, iniciantes, investindo e apoiando
projetos tão inovadores quanto o Twitter”, completa.
Após o
Twitter, ele primeiro fundou a Envoy, em 2013. O que ela faz: digitaliza todo o
processo de recepção de uma empresa – o visitante se cadastra online e quem
deve recebê-lo é notificado por uma mensagem no celular. A startup captou mais
de 15 milhões de dólares em investimentos e hoje atua em 2 000 companhias,
incluindo nos edifícios de marcas icônicas do Vale do Silício, a exemplo da
Tesla, do Airbnb e do Uber.
“Só que
não estava tão realizado, pois sentia falta de trabalhar com equipes pequenas,
em negócios emergentes”, diz. Foi então que entrou na Expa, também em 2013. A
empresa, criada pelo canadense Garrett Camp, um dos fundadores do Uber –
Lourenço, aliás, participou de reuniões iniciais de onde nasceu esse hoje
celebrado (e polêmico) aplicativo de contratação de motoristas –, se define
como um “estúdio de startups”. “Em vez de apenas darmos dinheiro para a
elaboração de um negócio, participamos de todo o processo, ajudamos a construir
do zero”, explica o designer.
Lourenço
concedeu a seguinte entrevista a VEJA, no escritório da Expa em São Francisco –
em uma sala que dá vista para toda a cidade.
O que é, afinal, um estúdio de startups, como a Expa, onde trabalha? Trata-se de um novo modelo de
negócios. Na Expa, procuramos boas ideias para investir nelas. Porém, fazemos
muito mais do que um típico investidor. Participamos do dia a dia das
operações, escalonamos o projeto para torná-lo o mais ambicioso e criamos os
primeiros protótipos para testá-los, no mais rápido. Ocorre que, na real,
muitos investidores tradicionais estão há um tempo fora do mercado. Logo,
costumam dar o dinheiro, mas não conseguem, até por falta de tempo disponível,
participar do desenvolvimento de cada startup que apoiam. Nós decidimos fazer
esse papel. Por isso, nos nomeamos como um estúdio.
Qual é a sua função nesse estúdio? Sou um designer residente. O que
seria isso? Ajudo a criar as empresas do zero. Sou o responsável pelo
desenvolvimento da identidade visual, monto o primeiro time de especialistas da
área, desenho os protótipos e por aí vai. Cumpro essa tarefa com uma de nossas
startups, depois passo para a próxima e assim por diante. Como exemplo, uma das
empresas que apoiamos é a Reserve, um serviço online pelo qual se consegue
reservar mesas em restaurante, mesmo nos mais badalados. Caso o usuário esteja,
por exemplo, em Nova York e queira jantar, no mesmo dia, em um estabelecimento
onde é muito difícil conseguir reserva, ele pode utilizar o programa para tal.
Para isso, terá de pagar uma taxa extra. Porém, não vai perder a oportunidade
de ir onde quer ir. Para se ter ideia da dimensão de nossos negócios, o Reserve
está dando certo e, depois de darmos o pontapé inicial, conquistou 15 milhões
de dólares em investimentos.
O que o levou a abandonar o Twitter, em 2012, para se dedicar a
projetos menores? Eu sentia
muita falta de trabalhar com times pequenos de profissionais e de participar da
concepção de novos negócios. Queria novamente passar por aquela sensação de “o
que vamos fazer agora e daqui para frente?”. Foi ótimo meu período no Twitter,
onde tive a oportunidade de participar de toda a criação do design do site.
Quando deixei a empresa, em 2012, fui junto a muitos elogios, como os de Evan
Williams, fundador do Twitter e quem me contratou pela primeira vez. Porém,
depois de um tempo a companhia cresceu muito. Saí de lá quando 3 000
funcionários já trabalhavam para a rede social. Havia muita burocracia, como em
toda grande companhia.
Como conseguiu a vaga de primeiro designer do Twitter e, assim,
se mudou para o Vale do Silício?Um amigo me indicou para trabalhar
com eles. Comecei remotamente, como autônomo, ainda no Brasil. Foram seis meses
assim. Depois desse teste, eles decidiram me contratar e me levar para o Vale.
Saí muito cedo do Brasil. Cheguei nos Estados Unidos com 21 anos. Por pouco nem
poderia pedir uma bebida no bar. Quando comecei no Twitter, era uma empresa
ainda muito pequena, de uns 10 funcionários. Trabalhava lá até Kevin Systrom,
como estagiário. Esse é o cara que depois veio a fundar o Instagram, ao lado do
brasileiro Mike Krieger.
Hoje, após anos de glória, o Twitter é visto como uma incógnita.
Em crise, não se sabe se ele será vendido, ou se irá se reinventar para voltar
a conquistar usuários. Como avalia essa má fase? É preciso retornar ao início da
empresa para compreender a situação. No começou, não se sabia direito como o
negócio ia funcionar, nem sua provável dimensão. Só que, mesmo assim, ele
explodiu em todo o mundo. E esse sucesso foi quase que um acidente. Aí o grande
problema interno que surgiu é que não se tinha certeza dos motivos que levaram
a tanta fama. Por isso, ninguém arriscava, não se tentava mudar a fórmula.
Afinal, não queríamos ser taxados como aquelas que transformaram tudo e
acabaram por errar. Só que, justamente por não mudar, acabamos por não
acompanhar algumas novidades do mercado. Como a ascensão das rede sociais de
compartilhamento de fotos. Por isso, fomos passados para trás pelo Instagram em
número de usuários. Para superar a atual má fase é preciso rever o conceito de
não mudar. Acredito, por exemplo, que virão transformações importantes na rede
social, como o inevitável aumento do limite de 140 caracteres para escrever, o
que já é uma demanda dos usuários. Contudo, é preciso lembrar que o Twitter
também acabou por criar outro produto, inovador, que se adequa muito bem às
necessidades contemporâneas. É o Periscope, que aposta em vídeos, dentro de um
modelo de rede social. O investimento nesse novo produto também pode ser chave
para escapar bem do atual cenário negativo.
Por você ser próximo de Garrett Camp, chegou a presenciar como
nasceu o Uber, a startup do momento? Nunca me envolvi oficialmente com a empresa.
Mas acompanhei o Garret, um dos fundadores, desde o início. Até participava de
reuniões de brainstorming para dar ideias para o aplicativo. É curioso notar
que tudo começou por uma necessidade pessoal dos fundadores, que notavam o
quanto era difícil conseguir um táxi em São Francisco. Daí eles idealizaram um
aplicativo pelo qual era possível contratar motoristas de carros de luxo. Só
que o que era um fenômeno local acabou logo se expandindo, ganhando adeptos e
lançando versões mais populares. Foi um crescimento impressionante.
Por que, além de todas as suas funções atuais, decidiu também
por ser investidor de startups, colocando seu próprio dinheiro nelas? Ainda estou começando nesse ramo. Juntei-me
com outros ex-funcionários do Twitter, do Facebook e de outras empresas de
calibre similar para fazer a Specialized Types, um grupo que apoia projetos
incipientes.
Mas o que te levou a esse caminho, mesmo com uma vida
financeira já bem saudável? Há uma
ideia prevalente no Vale do Silício de que aqueles que tiveram sorte devem
devolver essa sorte para que outros possam construir ideias novas e
promissoras. Esse é o principal, quase único, motivo.
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